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Jundiaqui

 Para divertir os médicos
20 de janeiro de 2021

Para divertir os médicos

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Como dizia o Barão de Itararé, “este mundo é redondo, mas está ficando muito chato”.

Dez meses de pandemia de covid já encheram a paciência (para não utilizar o sinônimo anatômico, porque o JundiAqui é um jornal de respeito).

Encheu o meu, o teu, o dele, o nosso. Tem muita gente surtando por aí.

Fico imaginando em que estado deve estar o dos médicos, paramédicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e demais pessoas que trabalham na área de saúde. Até mesmo as médicas, paramédicas, enfermeiras, e as demais da lista, devem estar seriamente ameaçadas de uma orquite dupla metafórica.

Pensando nisso, escrevi esta crônica com o único propósito de prestar um serviço social: fazer as pessoas da área de saúde darem um pouco de risada, para desentumecer o órgão da paciência.

Vamos conversar um pouco a respeito dos atestados de óbito. À primeira vista, parecem ser um documento inofensivo, mas podem ser cheios de pegadinhas. Em 10.6.2010, Cláudio Novais cometeu, na internet, um comprido e erudito texto a respeito do cangaço no cinema brasileiro. Esse texto é inteiramente baseado na certidão de óbito do cangaceiro Curisco (assim mesmo, com “u”), analisada palavra por palavra: nome, naturalidade, profissão (“bandido”), domicílio (“nômade”) e por aí a fora. Causa da morte: “tiros de metralhadora no abdome”. Ponto e basta.

Inspirado nesse texto de Cláudio Novais, tenho uma proposta para vocês médicos e médicas se divertirem um pouco. Vamos pregar uma peça nos futuros pesquisadores…

Mandem imprimir os talonários de atestados de óbito já com a causa da morte preenchida tipograficamente: covid ou suspeita de covid. O espaço em branco, de preenchimento opcional, fica para registrar alguma comorbidadezinha sem importância, como por exemplo um glioblastoma multiforme grau 4, ou talvez cinco ferimentos perfuro-contusos na região torácica, causados por projéteis de arma de fogo.

Se alguém fizer objeção, vocês sempre podem invocar o precedente dos médicos do século XIX, que atestavam como causa da morte algumas coisas estranhas, como desentrocide (o que é isso?), velhice, estupor, paralisia, apoplexia fulminante e por aí a fora.

Não pensem que eu estou inventando coisa. O Estadão de 8.8.1878 (que naquela época chamava-se “A Província de São Paulo”) publicou, na página 2, uma relação de todos os sepultamentos realizados em Jundiaí no mês de julho daquele ano, com a causa atribuída à morte do defunto.

Lá vai:
Dia 2: António Ferreira dos Santos, de Jundiaí, 20 anos. Causa da morte: desentrocide.
Dia 4: Eva Inês, de Jundiaí, 30 anos. Causa da morte: hidropisia.
Dia 9: Manoela Cardoso, de Parnaíba, 100 anos. Causa da morte: velhice.
Dia 10: Florêncio de Lima, de Jundiaí, 60 anos. Causa da morte: lesão orgânica do coração.
Dia 10: Benedicto, escravo de Dona Maria Eufrosina de Queiroz Guimarães, do Maranhão, 30 anos. Causa da morte: paralisia.
Dia 11: Vicente, filho de José, escravo de José de Almeida Sampaio, de Jundiaí, 2 dias. Causa da morte: não declarada.
Dia 12: Luiz, filho de Joaquim Benedicto Alves, de Jundiaí, 11 meses. Causa da morte: vermes.
Dia 16: José Vaz Pereira, de Minas, 60 anos. Causa da morte: apoplexia fulminante.
Dia 19: Alfredo, filho do Capitão Adolpho da Costa Guimarães, de Jundiaí, 3 meses. Causa da morte: erisipela.
Dia 21: Benedicto, filho de Saturnino, escravo do Tenente Francisco António de Queiroz Telles, de Jundiaí, 6 meses. Causa da morte: estupor.
Dia 24: Francisco de Almeida Pacheco, de Itu, 60 anos. Causa da morte: tísica.
Dia 25: António Moreira da Silva, de Santo Amaro, 50 anos. Causa da morte: gastro-interite (é assim que se escreve?).
Dia 26: Bento Felipe, de Parnaíba, 40 anos. Causa da morte: hidropisia.
Dia 26: Firmino Ribeiro, de Jundiaí, 40 anos. Causa da morte: tísica pulmonar.
Dia 26: José, filho de José Joaquim de Campos, de Jundiaí, 2 anos. Causa da morte: febre.
Dia 27: Emílio, filho de Emílio Bertholdo Patermann, de Jundiaí, 2 meses. Causa da morte: vermes.
Dia 27: Francisco, filho de Francisco José Lages, de Jundiaí, 8 meses. Causa da morte: vermes.
Dia 30: Francisco José de Senra, de Jundiaí, 61 anos. Causa da morte: hidropisia.

Se essa lista é engraçada em alguns pontos, é muito triste em outros: crianças morriam de vermes, adultos morriam de coisas que hoje são curadas com uma simples penicilina. Essas duas faces da lista nos levam a outra frase muito boa do Barão de Itararé: “Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você”.

Visto a carapuça.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado aposentado, escritor e pesquisador da história de Jundiaí

 

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