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Jundiaqui

 Terra à vista
12 de junho de 2017

Terra à vista

Wagner Ligabó

O país segue a deriva. Com a nau sem rumo, tenta o sisudo timoneiro, dotado de estoicismo duvidoso, dar-lhe curso a um norte seguro. O momento é difícil. Uma tormenta inesperada tornou o que era luz radiante em céu escuro com clarões assustadores.

Com ondas altas as águas torvelinham cada vez mais e o ranger rude da embarcação envelhecida parece prestes a naufragar.

Os marinheiros, não afeitos a este tipo de mar revolto, alvoroçados ameaçam saltar do barco. Abandonar ao Deus dará o comandante que sorria até pouco tempo atrás.

Sentem – e como sentem- a falta do grande capitão, que como se refém de Netuno fosse, submergiu às profundezas do oceano e deu-se o direito ao silêncio. Sem comando efetivo, gritos e ordens de afogadilho é o que mais se ouve no convés. Da proa à popa ninguém se entende. Como esta viagem terminará ora é uma preocupante incógnita.

Em meio à tempestade, eu, como o bom Popeye, velho marujo de muitas empreitadas, me resigno a fazer o papel que sempre me coube em momentos de borrascas: continuar a exercer minhas funções com afinco, honestidade e dedicação sem olhar para o lado. Concentrar-se na missão e não fugir aos princípios básicos do comportamento ponteado pela retidão, mesmo diante de enormes dificuldades, pois somente o empenho compromissado de quem almeja chegar a terra firme dará sentido para a viagem.

Sinto-me um cartógrafo a redesenhar em ritmo febril mapas em busca de alternativas. Na pequena mesa, com o lápis, e compasso na mão, é difícil manter o equilíbrio à mercê do balançar tresloucado da embarcação.

De súbito, cai-me ao colo um livro, despencado lá do alto da empenada prateleira. Mesmo com a pouca luminosidade que a chama do toco de vela a minha frente proporciona, consigo folhear e ler boa parte do conteúdo. A leitura vem a calhar, pois é atual, apesar de ter sido editada em 2007. Um livro publicado pela UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura- com uma coletânea de cem redações de universitários brasileiros selecionadas no ano de 2006 em meio a um total de 41.329 inscrições recebidas. O tema proposto pela UNESCO que deu título a publicação foi “‘Como vencer a pobreza e a desigualdade’.

As escritas são ótimas e, para orgulho da terra, um jundiaiense consta na lista à página 214. Porém a redação que chamou a atenção foi a da carioca Clarice Zeitel Vianna Silva, acadêmica à época da Faculdade de Direito da UFRJ, pela contundência, malícia e posicionamento juvenil lúcido, num momento onde muito se questionava a abstração dos jovens brasileiros.

Apesar de abusar de oximoros – eu adoro! – que é o combinar de palavras contraditórias para reforçar uma ideia, e ter sofrido diversas críticas de vários ‘iluminados’ detentores do domínio da Língua Portuguesa, considero o texto irrepreensível.

Intitula-se ‘Pátria Madrasta Vil’ e diz:

“Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência… Exagero de escassez… Contraditórios? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para Brasil.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.

O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de contradições.

Há quem diga que ‘dos filhos deste solo és mãe gentil.’, mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de mãe, o Brasil está mais para madrasta vil.

A minha mãe não ‘tapa o sol com a peneira’. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica. E mesmo há 200 anos não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome.

Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro PACote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.

A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra… Sem nenhuma contradição!

É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema- esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.

Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?

Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos…

Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente… Ou como bicho? “

Que não se esqueça o despertar do povo que engatinha no que se diz democracia. Relembro os movimentos de junho de 2013 que foram uma das mais importantes manifestações populares da história brasileira. Além disso, apresentaram um caráter absolutamente inédito. Não tiveram uma causa, como nas Diretas-Já e no impeachment de Collor. Não foram convocados por instituições representativas tradicionais, como partidos, sindicatos e grêmios estudantis. E surpreenderam porque não existia no horizonte nada que indicasse uma movimentação social tão intensa.

Que nós, todos os brasileiros de boa índole, não nos descuidemos de regar a semente plantada em junho de 2013. Um dever cidadão para com o Brasil.

Terra à vista!

Wagner Ligabó é médico e vereador

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