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Jundiaqui

 O tenor, os pobres e o mendigo
20 de agosto de 2021

O tenor, os pobres e o mendigo

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Em 1917, o célebre tenor italiano Enrico Caruso (1873-1921) esteve em São Paulo, para umas poucas apresentações no Theatro Municipal. Foi um acontecimento na cidade, especialmente para a numerosíssima colónia italiana.

Como os ingressos para o Theatro Municipal eram caríssimos, o grande Caruso, generosamente, se dispôs a fazer uma apresentação gratuita para a pobreria. Em outro lugar, é claro. Fez essa apresentação no Brás. Cantou, de uma sacada, para a multidão reunida no Largo da Concórdia.

Procurei, em diversas fontes, mais pormenores a respeito dessa apresentação do Enrico Caruso no Largo da Concórdia. E, vasculhando o acervo informatizado do Estadão, a ferramenta eletrônica de busca, que não tem discernimento, me levou a uma notícia pitoresca a respeito de outro Caruso, bem diferente do tenor.

Está no Estadão de 6.9.1916, página 5. O mendigo José Caruso estava pedindo esmolas pelas ruas de Jundiaí quando foi advertido pelo Dr. Delegado de Polícia de que era proibido mendigar. José Caruso, coitado, explicou ao Dr. Delegado que a Polícia de Campinas, para se livrar dele, o havia colocado em um trem para Jundiaí, com passagem só de ida e sem um vintém no bolso. Se não pedisse esmola, iria morrer de fome.

O correspondente do Estadão em Jundiaí não informou quais foram as providências tomadas em relação ao mendigo Caruso, se foi acolhido por alguma instituição de caridade ou se foi posto em um trem de volta para Campinas. Mas a notícia termina com um desabafo muito curioso: “Já não é de hoje que vimos censurando o vezo antigo de despacharem para esta cidade vagabundos, indigentes e malucos, como se esta terra fosse depósito desses infelizes”.

Tenho alguma coisa para dizer a respeito desse assunto.

Quando eu era criança, havia em Amparo um mendigo municipal, o Nhô, que todos conheciam e cuidavam dele, dando comida e roupas. Mais tarde, quando estudei no Largo de São Francisco, a Faculdade de Direito tinha mendigo próprio, o Pereira. O Pereira era muito honesto. Nunca vinha com uma lorota triste. Chegava para nós e perguntava: Doutor, me dá um trocado para eu tomar uma pinga? Como prêmio pela honestidade, ele sempre ganhava a pinga e um pastel de vento. Pastel igual ao que nós também comíamos naquele chinês que ficava do outro lado do Largo, e que um belo dia foi interditado pela Secretaria da Saúde.

Depois, em 1980, eu e o falecido Eduardo “Mano” de Sousa estivemos em uma cidadezinha medieval da França chamada Toul, onde se produz o segundo melhor vinho rosé do mundo (o melhor, como todos sabem, é o Mateus, produzido em Portugal). E em Toul também havia um mendigo municipal, muito bem tratado, cujo nome eu esqueci, pois já lá se vão quarenta anos. Mas não esqueci o nome do porquinho-da-Índia, Titus, que era uma das atrações do boteco onde o Mano e eu patrocinamos um copo para o mendigo municipal de Toul.

Eu ainda não morava em Jundiaí quando a cidade teve seus mendigos municipais conhecidos por todos, como Nhá Tuca Bamba, mas sei que eram amparados por quem podia, como o Alceu de Toledo Pontes.

A outra face da moeda são os mendigos que surgem ninguém sabe de onde. Se isso já era um problema em 1916, hoje o problema é muito maior. O que fazer com eles? O coração diz para ajudar, o cérebro diz para enfiar de volta no trem para o lugar de onde vieram.

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